Confissão obtida sem antes informar o direito ao silêncio, importa a ilegalidade do ato
A confissão é um meio de prova prevista no Código de Processo Penal e significa a admissão de que os fatos atribuídos são verdadeiros. A despeito das discussões doutrinárias, ainda é considerada como a “rainha das provas”. Entretanto, não deverá ter valor absoluto, devendo o magistrado analisá-la em cotejo com as demais provas. O artigo 197 assim prescreve:
O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”.
A doutrina ainda prevê determinados requisitos para que seja válida, quais sejam
- Verossimilhança: a probabilidade da ocorrência do fato, a forma como foi admitida
- Uniformidade: se a versão apresentada pelo confitente foi uniforme em todas as suas declarações (sede policial, judicial)
- Credibilidade: avalia-se a intenção do confitente, posto que em muitos casos, haverá confissão como forma de proteger outrem
Contudo, para ter validade, não basta somente a análise dos requisitos mencionados. Isso porque o sistema penal brasileiro é regido por princípios básicos de observância obrigatória. Citamos aqui o direito ao silêncio como garantia à não autoincriminação, de não produzir provas contra si mesmo “nemo tenetur se detegere “.
Destarte, antes de obter uma confissão, é imprescindível que se informe ao acusado seu direito em não responder o que lhe é perguntado. Este aviso é também chamado de “Aviso de Miranda” e é muito conhecido pela famosa frase tanto repetida em filmes policiais: “Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser pode e será usado contra você no tribunal”.
Bom, mas e se houver confissão sem antes ter sido informado o direito de permanecer calado? Se a prova for obtida sem a observância do deste direito fundamental, a prova será considerada ilícita e deverá ser desentranhada – retirada- dos autos. Vejamos o que aduz o 157 do Código de Processo Penal
“Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
Assim também decidiu o Supremo Tribunal Federal ao julgar o Habeas Corpus n.º 218.33 5. No caso em questão, o interlocutor teve sua confissão gravada por dois policiais enquanto estava internado e o questionaram sobre qual foi o motivo de ter matado a vítima. Contudo, apesar da confissão obtida, não há menção ao Aviso de Miranda. Desta forma, a defesa pediu o que fosse retirada dos autos com direito a um novo julgamento. O ministro Gilmar Mendes assim entendeu:
” O direito ao silêncio, que assegura a não produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana “
Outrossim, também há que se avaliar se a prova obtida por meio ilícito teve o condão de contaminar todas as demais provas decorrentes, ou seja, se por meio da confissão, foi possível realizar buscas e apreensões, perícias, dentre outras. A teoria aplicada para retirar as provas decorrentes é chamada de teoria dos frutos da árvore envenenada.
Neste sentido, citamos o doutrinador Nereu José Giacomolli:
A prova produzida com violação ao direito ao silêncio e ao nemo tenetur é uma prova inválida (ilícita) não podendo ingressar no processo e, uma vez nele incorporada, há de ser excluída, extraída, destruída, por ser um nada jurídico, desprezível do ponto de vista ético e jurídico. Num segundo momento, há que ser averiguada a possível contaminação produzida pela invalidade nos demais atos processuais, mormente na prova. Verificada a contaminação, os atos processuais seguem o mesmo destino dos efeitos da prova ilícita, sua consideração, por defeituosos, viciados por contaminação.” (GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal – Abordagem Conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p.197). (grifo nosso)
Portanto, há que se observar o devido processo legal em todas as suas formalidades. Não há que sustentar condenação em provas obtidas por meios ilícitos, seja a confissão em sede policial ou judicial.
GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal – Abordagem Conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014.